Quem sou eu

Juiz de Direito desde 2007. Titular do Juizado Especial Cível de Lins(SP). Ex-Professor do Curso de Direito do Unisalesiano em Lins(SP). Ex-delegado de polícia. Motociclista, tatuado e corintiano do "bando de loucos".

29 de nov. de 2016

Ressolagem como causa de prejuízo ao motociclista

É relativamente comum depararmos com ressolagens (recapagens) em rodovias e são corriqueiros os danos por elas provocados. Normalmente, os fragmentos de borracha são extensos e pesados e provocam prejuízos significativos quando são “atropelados” por automóveis ou motocicletas. O risco de queda do motociclista é indiscutível, ainda que o seu veículo seja de grande porte.
A tentativa de solução administrativa é sempre interessante porque não tem custo (a parte não precisa contratar advogado, por ex.). Quando o pedido administrativo do prejudicado não é atendido pela concessionária que cuida da rodovia, a questão acaba desaguando no Judiciário. Nos Juizados, a própria parte pode peticionar se o prejuízo não superou vinte salários mínimos e não precisar pagar custas.
De maneira geral, a concessionária alega que cumpriu a sua obrigação de inspecionar a pista e apresenta informações sobre os trajetos percorridos pelas suas viaturas. Sustenta, portanto, que não se omitiu. Em alguns casos, questiona também a invocada ocorrência e afirma que a parte adversária não comprovou que tudo aconteceu na rodovia sob a sua administração.
Não se discute que a concessionária não tem condições de evitar todo e qualquer acidente; que não consegue manter permanentemente a pista limpa... De qualquer forma, prepondera o entendimento de que, se a parte demonstra que o dano decorreu do atingimento de objeto depositado na estrada, a concessionária, que tem responsabilidade objetiva (artigo 37, § 6º, da Constituição Federal), deve promover o ressarcimento. Ao mesmo tempo em que a empresa não consegue ter empregados em todos os trechos, vinte e quatro horas por dia, o usuário não pode ficar sem resposta. Trata-se de risco inerente à atividade e que deve ser suportado pelo prestador do serviço.
Cabe ao motociclista angariar provas de que o acidente aconteceu e de que o prejuízo decorreu do choque com o objeto. Os danos deverão ser condizentes com a narrativa São bem-vindas fotografias, filmagens e relatórios descritivos. É sempre conveniente que os componentes danificados sejam preservados para eventuais exames periciais ou mesmo para a análise do próprio magistrado. E, sempre que possível, o evento deve ser registrado no posto de atendimento da concessionária ou mesmo pela polícia. Havendo testemunhas, deverão ser indicadas, mas nada impede que o juiz dispense as suas oitivas.
Ressalto, ainda, a importância da anexação de comprovantes de pedágios ao processo, já que servem à comprovação de que determinado trecho foi percorrido. Muitas vezes os motociclistas dispensam os papéis, tanto que as operadoras de pedágios costumam perguntar se eles desejam os comprovantes dos pagamentos. Se algo acontecer, os tais comprovantes serão úteis.
A análise de pretensão do gênero é sempre delicada. Se o juízo for muito exigente, poderá inviabilizar que determinado motociclista busque ressarcimento, já que se estiver viajando sozinho sequer terá testemunha para arrolar. Se for muito flexível na análise da prova, o juízo correrá o risco de chancelar pedido fraudulento de determinado motociclista que se servir da facilidade de acesso à justiça para obter proveito ilícito. A apreciação das provas é uma tarefa complicada.
Por fim, acidentes com recapagens geram aborrecimentos e prejuízos materiais, mas nem sempre acarretam danos morais indenizáveis. É evidente que isso deverá ser analisado de acordo com as circunstâncias de cada caso.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito
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(publicado na edição de 24/11/2016 do Diário de Penápolis)

Residência do magistrado na Comarca - implicações

Estabelece o artigo 93 da Constituição Federal: “o juiz titular residirá na respectiva comarca, salvo autorização do tribunal”. Os pedidos e os deferimentos são comuns, pelos mais diversos fundamentos.
Há quem sustente que o magistrado que reside no mesmo lugar em que trabalha, teoricamente, está mais preparado para compreender e julgar os problemas que lhe são expostos; que o juiz, por estar inserido na comunidade, se preocupará mais com o bem-estar dela. Tudo isso é muito relativo e há vários inconvenientes nessa imposição.
O juiz que mora onde trabalha acaba conhecendo mais as partes, o que pode facilitar a formação da convicção. Ocorre que ele tem de estar atento para não se “contaminar” com comentários sobre os casos que julga e para não fazer prejulgamentos com base no que já sabe sobre as pessoas envolvidas. Cada caso é um caso!
Esse magistrado acaba correndo mais riscos, pois se encontra com pessoas que julga com mais frequência. Nas cidades menores, nem sempre haverá um imóvel seguro para abrigar a sua família.
Parece que tem gente que acha que porque conhece o juiz, não vai perder a demanda. Os aborrecimentos para o “juiz residente” são mais constantes, pois muitas pessoas não sabem “separar as coisas” e ele, às vezes, é hostilizado. Isso pode interferir na sua motivação e, em consequencia, na sua produtividade.
Já passei pelo dissabor de julgar uma pessoa que cometeu indiscutível ato ilícito e perceber, no dia seguinte, que um familiar dela com quem mantinha certo contato, em virtude da sentença desfavorável, tinha me “bloqueado” numa rede social. Fui julgado e condenado sumariamente...
Aliás, um considerável percentual de pessoas não sabe conviver com o “não”... Muita gente coloca uma “verdade” na cabeça e se esquece de que o magistrado, isento, decide com base num conjunto de provas, não havendo, no nosso sistema, uma prova que seja mais importante do que outra. E é claro que nem tudo que a parte alega ela consegue comprovar.
O magistrado “residente” tem dificuldade para se posicionar em eventos sociais. Tem de tomar cuidado para preservar a sua imparcialidade e para não se aproximar de pessoas de reputação duvidosa (o que pode caracterizar falta funcional grave). Tem de estar vigilante, pois os outros sempre estarão. O problema é que essa “vigilância interna” (a que faz da própria conduta) lhe “consome”; por vezes tira a sua tranquilidade; impede o completo aproveitamento do momento de lazer.
Abordagens inadequadas são corriqueiras. Certa vez, um advogado conhecido me parou no meio de uma festa de casamento para dizer que fazia sessenta dias que aguardava uma deliberação minha, querendo dizer que eu estava demorando (muito embora o Conselho Nacional de Justiça, atento ao volume de serviço, tolere cem dias). Deu vontade de ir embora... Não faça isso com o seu advogado, médico, dentista, contador, gerente de conta...
Penso que o maior problema que o magistrado adquire, ao residir na Comarca, é conseguir fazer as pessoas compreenderem que não tem condições de acelerar tramitações de amigos ou conhecidos e que não pode opinar sobre fatos que estão ou poderão estar “sub judice”, tudo por conta das previsões legais que tratam de causas de impedimento e suspeição.
Depois que me removi de Penápolis(SP) para Lins(SP), minha cidade natal, passei a enfrentar algumas dificuldades. Decorrido mais de um ano, uma conhecida esteve no meu gabinete, no seu dizer, para me dar “boas-vindas” (já não era mais tempo) e logo emendou diálogo sobre o caso em que o marido (foi levado junto) era parte. Como costumo fazer, interrompi a visitante para dizer que o magistrado não pode falar com a parte sobre o caso, de forma a preservar a sua imparcialidade e até porque não seria viável... não haveria condições de recepcionar todas as pessoas interessadas nesse tipo de contato...  não seria adequado e leal ouvir uma parte “em particular”. Ela saiu meio desapontada, muito embora a explicação tivesse sido clara e bem fundamentada. E eu fiquei mais desapontado ainda, seja pelo gesto dela (que já deveria saber o que eu disse), seja pela preocupação de ser incompreendido (e de ganhar mais uma inimiga). Assim como ela, várias outras pessoas (inclusive servidores do Fórum) já interromperam o meu trabalho com a mesma finalidade de querer expor ou pedir algo e foram, da mesma forma, orientadas sobre a impossibilidade de eu ouvi-las, explicada, sempre, com educação e objetividade. Esse tipo de abordagem era, de certa forma, previsível, mas começou a me aborrecer tanto que tive de colocar uma placa na porta do meu gabinete para advertir que não atenderia à parte e nem ao familiar dela.
Sobre a agilidade na tramitação, é importante ressaltar que a legislação prevê muitas prioridades: processo de idoso, de réu preso, mandado de segurança etc. Fora isso, é preciso se dedicar aos processos na ordem em que são remetidos ao gabinete. Assim sendo, é vedado ao juiz “pinçar” casos, sob pena de responder administrativa e criminalmente. É no mínimo inconveniente qualquer pedido de aceleração da análise, a não ser que formulado por advogado e devidamente fundamentado. Por exemplo, quando a parte tem direito reconhecido, é justo liberar logo o dinheiro de que ela precisa para custear o tratamento de doença grave recém-descoberta. De resto, não há condição alguma de o juiz que convive na comunidade receber visitas de todas as pessoas que conhece, muito menos para “quebrar galhos”, prática que não condiz com a boa administração da Justiça.
O importante é que, ainda que tudo isso possa soar agressivo para algumas pessoas, a maioria entende e aceita. E a esperança é a de que quem ainda não compreenda possa, depois de ler as reflexões, evitar situações constrangedoras para si e para o magistrado. Por fim, é sempre conveniente que se dê publicidade às dificuldades inerentes à função de julgar o próximo.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito
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(publicado na edição de 1º/12/2016 do Diário de Penápolis)

Homem-Aranha

Nada melhor do que uma boa sessão de cinema para relaxar e concomitantemente refletir um pouquinho sobre a vida...

Até pode parecer brincadeira, mas enquanto assistia ao filme “Spyderman 2”, selecionei várias semelhanças entre as dificuldades enfrentadas pelo enigmático herói dos quadrinhos e os policiais que procuram retribuir à sociedade a confiança neles depositada.

Assim que assume seu posto, praticamente todo policial, a exemplo do que fazia o mascarado na primeira edição do filme, se desdobra e ostenta invejável produtividade. A princípio, contenta-se com alguns poucos elogios que lhes rendem a suficiente energia para prosseguir na sua árdua caminhada.

Basta que ouça o barulho de alguma sirene ou que presencie qualquer cena delituosa para que, ainda que em gozo de merecida folga, apresente-se para apoiar os colegas ou mesmo para intervir em favor dos mais necessitados ou para corrigir injustiças.

Com o tempo, no entanto, sua motivação deixa de ser a mesma...

Ao mesmo tempo em que é abordado por dezenas de anônimos nas ruas e recebe deles calorosos cumprimentos pela sua atuação, o policial passa a conviver com indigestas e injustas críticas que, apesar de provenientes de fontes absolutamente contaminadas, acabam se dissipando e gerando dissabores.

Infelizmente aqueles comentários elogiosos provenientes dos citados “anônimos” nem sempre alcançam a esperada divulgação, porque provêm do sofrido povo que efetivamente necessita do trabalho do profissional, mas cuja voz fraca por vezes acaba sendo abafada, não ecoa como deveria. Ainda que venham à tona, acabam sendo esquecidos diante dos boatos depreciativos. O Spyderman, por exemplo, pois depois de ter combatido o ladrão de um banco, foi equiparado ao comparsa do criminoso na primeira página do principal jornal da cidade pelo inescrupuloso diretor da publicação.

No campo pessoal, o policial atuante, se não tiver cautela ou não contar com pais, esposa, filhos ou namoradas compreensivos, fatalmente sofrerá prejuízo, pois o chamado RETP - regime especial de trabalho policial (leia-se “estar à disposição vinte e quatro horas por dia”), por alguns hilariamente denominado “regime de escravidão de trabalho policial”, o priva de fazer muitas coisas e de freqüentar lugares que não são vedados às “pessoas normais”. Nas metrópoles, por exemplo, não seria raro um policial deixar de se aproximar de alguém que gostasse ou evitar ser visto em sua companhia para evitar que esta pessoa pudesse correr alguma espécie de risco, da forma como agiu o nosso aracnídeo herói.

Tais circunstâncias, somadas à fadiga física e mental e à insatisfação com a remuneração e condições de trabalho que normalmente acompanha os policiais mais atuantes, acabam fazendo com que parte deles naturalmente diminua seu ritmo. Muitos acabam esmorecendo e até arriscando-se a serem responsabilizados penal e administrativamente por omissões que começam a protagonizar. Tal como o Spyderman, passam a fazer “vistas grossas” para situações que normalmente exigiriam ou mesmo recomendariam a sua atuação, principalmente quando não são fisicamente reconhecidos pelas pessoas que vivenciam ou presenciam junto com ele alguma situação de conflito.

O Spyderman também enfrentou, dentre outros problemas, a falta de recursos (em dado momento só comeu porque uma vizinha lhe serviu alimento), mas nem por isso fez uso de seus poderes e sequer cogitou corromper-se para solucioná-la.

É neste exato momento, nesta exata fase, que se despontam os verdadeiros heróis de cada instituição policial. Para uma boa legião de idealistas que ainda vestem fardas ou exibem distintivos, a fase ruim é temporária, pois não conseguem manter por muito tempo a indiferença aos problemas do próximo.

A vocação para combater o mal acaba falando mais alto e “atropelando” a intempérie, e diante das atrocidades que até então, por opção própria e desmotivação, assistia inerte, o verdadeiro policial resgata forças não se sabe de onde e arrosta o perigo mesmo quando seu contracheque e os previsíveis dissabores decorrentes da sua atuação (vez que, ao agir, contraria interesses) lhe recomendem fazer o contrário.

E por que será que isto acontece? Porque as adversidades constituem a fonte da qual o verdadeiro policial extrai a sua razão de existir. A ação é a melhor resposta que ele encontra para o desânimo que até então tomava conta de si. Esse fenômeno não é privilégio somente do policial: é na efetiva produção; no enfrentamento das barreiras que normalmente aparecem diante dos mais empenhados; no ato não tomar conhecimento de falácias e na opção por ignorar o não-reconhecimento que todos nós encontramos as soluções para nossas aflições profissionais e pessoais.

No filme, a infelicidade do jornalista Peter Parker somente se extinguiu quando ele se conscientizou e se convenceu de que tinha uma missão a cumprir e de que ela, inversamente do que pensava, não era a causa, mas a solução dos seus problemas. Somente executando-a com carinho, com empenho, despretensiosamente e com o espírito elevado é que o atrapalhado fotógrafo voltou a sorrir e a fazer sorrir.

Sua evolução como pessoa naquele exato instante, apesar de fictícia, tem tudo a ver com as aparentes crises que surgem para nós, personagens da história da humanidade, justamente para testarem o nosso potencial de reação e a confirmarem a nossa capacidade e a nossa competência naquilo que nos propomos a fazer. Devemos despertar para esta verdade e adotarmos uma postura mental condizente com a nossa força! Certa vez o palestrante Milton Yuki afirmou, com propriedade, que “as pessoas pessimistas são anjos que surgem para testar o seu grau de convicção”...

Ensina-nos Masaharu Taniguchi que “quando a mente está ‘embaçada’ pelas preocupações ou pensamentos sombrios, não surgem boas idéias” (Sabedoria da Vida Cotidiana, vol. 1).

A partir do momento em que o Spyderman, através de simples alteração no seu jeito de enfocar as coisas e de lidar com aquela situação que julgava problemática, despertou todo o seu potencial; conseguiu até mesmo assumir o amor que sentia por uma antiga paquera; e descobriu que estava equivocado quando achava que não seria aceito como era, ou seja, que as particularidades do seu mister não interfeririam e nem deveriam interferir na sua felicidade conjugal.

Como diria o saudoso Rui Barbosa, “maior que a tristeza de não haver vencido é a vergonha de não ter lutado".

Superemos nossas “pseudodificuldades”, elevemos nosso pensamento e encarnemos os verdadeiros heróis que existem dentro de cada um nós: sejamos verdadeiros “homens-aranhas”!

Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira

Mestre em Direito e Professor Universitário na Unimep – Campus Lins(SP)

Delegado de Polícia em gozo de licença

(publicado na edição de 31/7/2004 do Getulina Jornal)

24 de nov. de 2016

Extravio da comanda de consumo

Muitos estabelecimentos comerciais, especialmente bares, lanchonetes, padarias e casas noturnas, adotam comandas ou fichas de consumo para controlar os gastos de seus clientes. As padarias, antigamente, disponibilizavam cadernetas que ficavam com os consumidores e nem todas mantinham controles paralelos...
Outro dia passei pela lanchonete de um conhecido posto de abastecimento na Rodovia Castelo Branco e deparei com a seguinte frase na ficha de controle: “Em caso de perda da ficha de consumo, a multa será estipulada pela empresa”. Essa cláusula, imposta de forma unilateral ao consumidor, evidentemente, é abusiva. É praticamente um “cheque em branco assinado”...
Ao mesmo tempo em que a empresa corre o risco de o cliente consumir muito e, de propósito, forjar a perda da ficha; pode ser que o consumo tenha sido reduzido ou mesmo não tenha acontecido e realmente tenha havido extravio ou mesmo furto da comanda, caso em que a imposição de multa elevada seria uma franca injustiça.
O controle por ficha que fica na posse do cliente acaba incentivando o consumo e reduzindo o fluxo de clientes no caixa, o que beneficia o fornecedor. Ao mesmo tempo, a posse da ficha transfere para o cliente uma responsabilidade que, em verdade, é do estabelecimento, a quem compete controlar o consumo fazendo uso de métodos eficientes. Se o controle for feito, ao mesmo tempo, por sistema informatizado, ficará mais fácil definir o montante a ser pago, especialmente se contemplar o nome do consumidor.
Assim sendo, se surgir divergência, ela deverá ser resolvida caso a caso, de acordo com as informações disponíveis. Se o estabelecimento também registra as compras no seu sistema, bastará apurar qual foi a ficha fornecida ao cliente. Isso poderá ser feito por meio da consulta às fichas já entregues e ainda não quitadas e da comparação dos itens registrados no sistema e daqueles que o consumidor admitir que tiver consumido ou que garçonetes ou o sistema de câmeras puderem indicar como consumidos.
O cliente que perde a ficha tem de se sujeitar à verificação, mas, é evidente, ela deve acontecer em tempo razoável e de forma discreta, sem exposição desnecessária.
Às vezes, impasses sobre o efetivo consumo deságuam no Judiciário...
Diante do extravio do cartão de consumo e da discordância, por parte do cliente, do valor apresentado pelo estabelecimento, já se decidiu que a posição do primeiro devia prevalecer, uma vez que a relação é regida pelo Código de Defesa do Consumidor e incidia a chamada “inversão do ônus da prova” (a empresa tinha de ter apresentado as comandas assinadas). Foi determinada devolução do dobro do valor cobrado indevidamente (artigo 42 do CDC) (TJSP, Recurso Inominado 0036498-44.2013.8.26.0001).
Uma casa noturna foi condenada ao pagamento de indenização por danos morais por conta do constrangimento imposto a uma frequentadora. Decidiu-se que houve “utilização de meio abusivo e vexatório de cobrança”, já que, surgido impasse sobre o efetivo consumo, ela foi retida “por intervalo temporal razoável até a liberação, já pela manhã, somente depois do acionamento da Polícia Militar”. A espera foi de cinco horas e consta que a usuária tinha pagado a comanda; que a “via de liberação” tinha sido extraviada durante tumulto no local; mas que seguranças não aceitaram o comprovante do uso do cartão de crédito. O julgado destacou o “caráter descabido da prática de pressão psicológica voltada ao recebimento de créditos” (TJSP, Apelação 0125702-98.2010.8.26.0100).
No mesmo sentido, reconheceu-se a ocorrência de prejuízo moral porque o estabelecimento não provou que determinados gastos foram registrados depois que o cliente perdeu o cartão. Levou-se em conta o fato de a empresa ter impedido a saída do consumidor do local até que o pagamento acontecesse, “ato que não significa cárcere privado no caso, mas violação a direito ... com evidente constrangimento” (Apelação 9249250-89.2005.8.26.0000).
O Colégio Recursal da Capital já reverteu condenação porque entendeu que o consumidor foi o único culpado pela perda da ficha de consumo e acabou pagando o valor cobrado sem contestá-lo, tendo permanecido no local para debate o assunto por sua espontânea vontade, quando poderia, por exemplo, ter ele mesmo acionado a polícia se tivesse entendido que sofria constrangimento ilegal (Recurso Inominado 29.416, Relator Jorge Tosta, j. 18/02/2009).
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
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(publicado na edição de 24/11/2016 do Diário de Penápolis)


Responsabilidade civil por furto em guarda-volumes

Muitos estabelecimentos comerciais e bancos solicitam aos clientes que acomodem seus pertences em guarda-volumes antes do ingresso. Essa prática, em linhas gerais, não é irregular, uma vez que a empresa pode adotar procedimentos de segurança. Eventuais abusos, obviamente, devem ser punidos.
Acontece que, ao mesmo tempo em que disponibilizam compartimentos e exigem que eles sejam usados, alguns empresários do comércio (especialmente do ramo de supermercados) e do entretenimento (boates e parques de diversão) tentam se esquivar da responsabilidade por subtrações de objetos que lhe são confiados. Placas de advertência costumam ser utilizadas com essa finalidade (“Não nos responsabilizamos por furtos e danos”), mas, por si só, não isentam o guardião do dever de indenizar.
O Tribunal de Justiça de São Paulo tem diversos precedentes acerca da responsabilização de quem se propõe a guardar pertences de outrem.
Nos autos dos Embargos Infringentes 0005684-17.2009.8.26.0348, a responsabilidade de uma empresa foi afastada porque a cliente deixou seu objeto sob um balcão de livre acesso a todos, tendo sido considerada, por isso, como única responsável pelo evento danoso (subtração sofrida). O julgador deixou claro, todavia, que o estabelecimento teria sido responsabilizado se o objeto tivesse sido retirado de guarda-volumes, caso em que a responsabilidade teria se definido objetivamente.
No mesmo sentido, a pretensão indenizatória contra academia de ginástica por furto de objeto foi refutada nos autos da Apelação 0000393-87.2013.8.26.0415. Isso porque não havia local definido para o depósito de pertences dos frequentadores e a guarda de objeto de valor não fazia parte dos serviços prestados.
Subtrações de objetos acomodados em carrinhos de compras não costumam gerar direito ao ressarcimento, uma vez que normalmente decorrem da desídia da vítima (vide Apelação 0034937-06.2013.8.26.0576).
De resto, normalmente quando o objeto fica em guarda-volumes devidamente trancado; ou aberto, mas monitorado por empregado, o estabelecimento responde pela subtração ou por dano sofrido, desde que, é evidente, o depósito do bem seja efetivamente comprovado. Em alguns casos também foi reconhecido dano moral indenizável. No sentido da responsabilização: Apelações 0003439-20.2011.8.26.0168; 0339762-38.2009.8.26.0000 e 9000070-22.2010.8.26.0224. Confira-se, ainda, Apelação 1021810-23.2014.8.26.0002, que bem destacou: “Daí porque, se o sistema de guarda volumes existe (com o intuito de preservação de seu patrimônio aliado à comodidade ou captação do consumidor) e se destina exclusivamente aos clientes, deve a empresa se preocupar com a fiscalização do setor, zelando pelos bens e objetos ali depositados, em estrita observância ao dever de vigilância; o problema é seu. Nesse sentido, inclusive, a Súmula 130 do Superior Tribunal de Justiça, a cujo respeito nem se faz mister tecer considerações suplementares, não havendo porque deixar de aplicar, ao caso concreto, o mesmo regramento”.
Numa situação específica, o consumidor não foi ressarcido porque ficou provado que não trancou corretamente o guarda-volumes e não havia sinal de arrombamento (Apelação 0010813-25.2012.8.26.0533).
A prova do efetivo depósito do objeto no compartimento poderá ser feita por testemunhas ou mesmo pela utilização de imagens gravadas pelo sistema de monitoramento do estabelecimento, que, inclusive, poderão facilitar a identificação do furtador.
Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Juiz de Direito
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(publicado na edição de 10/11/2016 do Diário de Penápolis)